Publicado por: aldofloresquiroga | 15/11/2011

Amarguras pós-capitalistas… (ou os filhos são a nossa esperança!)

O capitalismo sofre de um componente autodestrutivo que o corrói por dentro e o condena ao fracasso. E não me refiro à crise do euro ou do dólar. O sistema está fadado a ruir não apenas pelo casino da especulação financeira, nem pelo rombo abissal criado pelas dívidas dos governos, nem apenas pela ganância dos bancos intercontinentais. O sistema está a colapsar porque a busca incessante pelo lucro tem efeitos colaterais bem mais prosaicos e presentes no dia-a-dia do que costumamos notar.

Aqui em casa tivemos três semanas particularmente estressantes. Mãe e Pai (felizmente nós e não as crianças) tiveram que amargar algumas tantas horas em salas de espera de hospitais. Suspeitas de febre reumática, laringofaringite e uma invisível pedra no rim que poderia ser, na verdade, um caso grave de gastrite (???), nos tomaram algumas tardes. É curioso o quanto aprendemos sobre a natureza humana quando nos sentimos mais vulneráveis e dependentes. Quando se está num leito frio à mercê da boa vontade (ou do profissionalismo) de outros, nos tornamos sensíveis ao que realmente sustenta as relações humanas.

Como faz diferença um profissional profissional. Sim, aquele que executa seu ofício, seja ele qual for, com gosto e precisão. Como é diferente receber atendimento de um profissional que gostaria de estar em qualquer lugar, menos ali, ao teu lado. Isso vale para todas as ocupações, mas na área da saúde é mais patente.

Da cardiologista de vinte e poucos anos que não conseguia expressar uma frase completa para explicar o diagnóstico sem ter que pensar nas palavras e ainda assim errar concordâncias e sentidos à telefonista que não sabe o endereço da entrada do pronto socorro no qual trabalha. Do otorrinolaringologista residente que sequer olha no teu rosto e se limita a dizer que a “coisa tá feia, ai, hein!” à auxiliar de enfermagem que luta com tua corrente sangüínea para fazer o remédio seguir veia adentro e exclama “Nossa, como sai sangue. Ele tem muito sangue!” antes de perceber que não tinha retirado o torniquete de borracha, o que impediria a entrada da medicação mesmo que ela fosse bombeada com motor. São casos quase sem importância em meio às manchetes de criança morta porque recebeu leite intravenoso, como se isso existisse.

A total incompetência é a marca deste tempo. Isso afeta todas as áreas. Advogados, arquitetos, médicos, jornalistas, radialistas, motoristas, economistas, contadores, pilotos, aeromoças, políticos, policiais, professores, gestores, administradores, cantores, atores, até projetos de revolucionários! E, pra mim, a origem de tudo é uma só: o lucro.

Governos precisam lucrar e não investem em educação. Escolas precisam lucrar e não investem em professores. Empresas precisam lucrar e não investem em funcionários. Hospitais precisam lucrar e pagam pouco para médicos que tem que atender em 8 minutos a cada paciente e enfermeiros cada vez mais raros, substituídos por “técnicos” em enfermagem (sabe lá que raio é isso?!?!?!) e auxiliares de enfermagem. (É comum haver uma enfermeira por andar, o resto é auxiliar, aprendiz, atendendo sozinho a pacientes!!!) E por ai vai… E do lado de cá? Alunos fingem que estudam porque o professor não faz o que deveria porque pensa não receber o salário que mereceria. Recém formados aceitam funções de outros porque eles também, afinal, precisam lucrar. E assim a roda gira, numa propagação de mediocridade que deixou há muito pra trás as letras, a leitura, a cultura, o conhecimento. Afinal, essas coisas não trazem lucro.

Isso não tem relação apenas com a qualidade do atendimento ao público. Pessoas morrem por isso, prédios caem, aviões desabam, inocentes vão para a cadeia, boatos e versões viram verdade midiática, corruptos e corruptores se perpetuam, crianças, jovens e adultos são condenados à ignorância que alimenta o monstro. Um caos! Certa vez entrevistei o folósofo José Arthur Giannotti sobre a crise na Europa. Uma das perguntas era a seguinte. Historicamente temos três teorias econômicas: Adam Smith, Keines e Marx. À beira do abismo, como parecemos estar, alguma delas ainda responde aos desafios do presente? Há alguma nova teoria surgindo que venha a jogar luz sobre a crise? Ele sorriu, avaliou as três. Destacou a acertividade marxista sobre a crise do capitalismo e a falibilidade desta teoria ao prometer o socialismo como superação. Por fim, deu de ombros e sentenciou: “estamos no limite do conhecimento. Ninguém sabe o que virá depois. Ninguém sabe como sair disto.”

Não, o remédio que me deram não era amargo. Amarga é a lógica que nos move nestes tempos. E porque tanta amargura aqui no Eu quero a mamãe? Bom, porque é este mundo em total decomposição no nível mais básico das rela;coes humanas que meus filhos (e os seus) vão habitar. Sim, eu sei que há muitas outras coisas boas, muitas outras boas notícias, nossos filhos, inclusive, sempre estarão deste lado do prisma enquanto esperança que são. Mas a responsabilidade parece não ter nos olhado nos olhos. Não parece ainda ter espantado o nosso sono. Não parece ter nos atirado à rua para, com eficiência, exigir o que o lucro nos tem tirado.

Uma frase o filósofo Mario Sergio Cortella adora repetir e o fez numa das nossas entrevistas. É com ela que termino este post pessimista-subversivo-otimista, enquanto espero o fim do efeito do analgésico que me deram, como única solução para a dor “inexplicável”, segundo eles. Quando a dor voltar, terei que escolher outro hospital que também lucra, pra reiniciar a busca pela solução. Mas a frase é a seguinte e tem a ver justamente com a solução de tudo isso:

“O mundo que deixaremos para nossos filhos depende dos filhos que deixaremos para este mundo.”


Respostas

  1. Caro Aldo, o seu texto me remeteu ao Roda Viva com o Haddad em que o jornalista Norman Gall fez a melhor pergunta ao Ministro: por que no Brasil não existe movimentos populares para acabar com os abusos no ensino público nem liderança política empenhada em melhorar a educação?
    Também acredito que só uma revolução na educação podemos ter profissionais menos medíocres, para não dizer incompetentes, em todas as áreas. E isso só vai acontecer quando a educação deixar de ser mercadoria para voltar a ser um VALOR acima da ganância de “empreendedores”.
    Abraços

    • É isso aí, caro Mario. É o caminho. Mas para chegar lá, cabe aos que já tiveram a educação usurpada o reinventar-se para exigir que outros não sofram do mesmo mal. E penso que além disso há outra necessidade. O homem precisa se voltar para o que realmente importa. Parece papo de autoajuda, mas enquanto corremos para tapar os buracos ou aumentar as montanhas da conta bancária, o mundo se acaba… Sei lá, estes remédios devem estar afetando ainda mais meu humor… Abraço!


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